fbpx

Dungeons and Dragons Tarot: Por quê?

Há cerca de um ano, fomos surpreendidos com a notícia de que a Wizards of the Coast lançaria oficialmente um tarot de Dungeons and Dragons. Não é novidade para ninguém que muitos estudantes de ocultismo atuais tenham sido jogadores de RPG nos anos 80 e 90. Essa notícia gerou um grande impacto, e os rpgistas tarólogos esperavam ansiosos para ver o baralho. No final de 2022, o deck foi lançado, e a coisa não era bem como se esperava.

Fato é que o acervo de ilustrações da WoTC, desde as primeiras edições do DnD, é enorme, e utilizar essas ilustrações, ou pelo menos seus conceitos com uma nova equipe criativa, já era esperado. E é importante dizer, o trabalho de arte é impecável.

A princípio, o deck atuaria em duas frentes, sendo um tarot para tiragens normais e uma ferramenta específica para criação de plots. O livreto que o acompanha tem um texto descritivo de como usar cada carta no jogo. Mas a partir daí a coisa complica. Existem erros que jamais se espera que uma empresa que trabalha com jogos cometa, especialmente com o tarô, um projeto de cartas que é minimamente consistente há pelo menos 500 anos. Para ser bem direto: os Arcanos Menores não têm os naipes. E isso é um problema.

Você pode pensar: “o baralho é como o Marselha que tem os naipes representados nas próprias cartas”. Mas não, eles não têm! O baralho é ilustrativo (como esperado), com levíssimas inspirações do Rider-Waite-Smith, mas elas são realmente bem distantes. Isso faz com que uma tiragem fique com seus significados completamente aleatórios com as cartas dispostas na mesa. Com exceção dos Arcanos Maiores, que são bem distintos e carregam seus nomes, os menores são praticamente indistinguíveis.

Em resumo, o deck é bonito, vem numa caixa rígida com berço interno, tem um empastamento e acabamento que poderiam ser melhores, as cartas têm uma boa gramatura (boa, não excelente) com um acabamento gofrado (aquele processo decorativo que deixa as cartas com uma laminação texturizada), possuem cantos levemente arredondados (cerca de 2mm) o que deixa o baralho interessante, mas ao mesmo tempo soa um pouco esquisito. Possui um livreto, que pasmem, não tem numeração de páginas, mas possui as ilustrações de todas as cartas com um texto explicativo (enfim, sem esse texto você nem conseguiria identificar os arcanos menores). Você acaba preso e dependente do livreto.

O deck possui os nomes dos naipes customizados para atributos do DnD, o que sinceramente não faz diferença nenhuma, pois os nomes não estão nas cartas, somente no livro. Não é a primeira vez que vemos isso numa relação tarot-RPG. Nos anos 90, a extinta White Wolf lançou o hoje raríssimo deck de Mago: A Ascensão (ele ainda está disponível sob demanda, mas a edição original é rara) e ele também possuía numes personalizados.

Os naipes dos Arcanos Menores são fundamentais para a interpretação do tarot, e sua ausência neste deck compromete significativamente sua utilidade para fins divinatórios ou de autoconhecimento. Além disso, o livreto que o acompanha, embora forneça algumas informações úteis, não é organizado de forma clara e eficiente, o que dificulta seu uso.

Outro ponto que vale destacar é a falta de consistência entre os naipes e os elementos associados a eles. Não há uma relação clara entre esses nomes personalizados e os elementos tradicionalmente associados a cada naipe no tarot. Isso pode confundir ainda mais quem não está familiarizado com o sistema. No caso do, já citado, Mago: A Ascensão, os elementos simbólicos relacionados aos naipes eram persistentes, estavam em todos os arcanos menores e seus nomes possuíam conexão direta com os elementos da forma como eram vistos no jogo. Outro ponto forte deste baralho era que as cartas eram mais agressivamente inspiradas no RWS o que facilitava que estudantes de tarot tivessem familiaridade com ele.

Sendo honesto, para uma empresa que poderia usar ícones de dados nos naipes (d4 – terra, d6 – ar ou qualquer variação possível) o baralho soa como um trabalho terrível de design (embora excelente de ilustração) ou pior ainda, de game design e interface com o usuário (você achava que UI era utilizado só online… todo desenvolvimento de cartas e tabuleiros é matriz do que se faz hoje na web).

Agora, deixando de lado a falha catastrófica dos arcanos menores, os Maiores trazem coisas bem interessantes para quem conhece a mitologia envolvendo DnD.

Vamos começar com os personagens icônicos, que estão bem ilustrados. Tiamat (A Torre) e Mordenkainen (O Mago), são facilmente identificáveis, outros ainda podemos supor quem são, por exemplo na carta O Hierofante, que aparenta ser Bahamut (outro deus dragão) em sua forma humana cercado por canários (quem conhece o lore de DnD sabe que os canários são, na verdade, dragões dourados).

Com isso, podemos relacionar esses personagens representados nas ilustrações com os arquétipos e estereótipos de cada arcano, o que é interessante para o estudo do tarot, enquanto uma ferramenta narrativa. Toma-se os exemplos de Mordenkainen e Tiamat.

Qualquer grupo de aventureiros deve estar super bem-preparado para enfrentar Tiamat, a deusa dos dragões malignos. Sem preparo adequado, oriundo de uma jornada de aventuras, o grupo de aventureiros encontrara a ruína e a destruição! Bom, e o que é isso se não o arcano da Torre?

Já Mordenkainen, um dos magos mais icônicos de DnD, tão famoso e poderoso que nos livros de regras, em cada um dos ciclos de magia, existem feitiços com o seu nome. Por ser tão poderoso, Mordenkainen é facilmente aquele que domina os elementos, que inspira os magos iniciantes, ambas características, símbolos, relacionados ao arcano O Mago.

Esses pequenos detalhes, talvez até mesmo fan services, são o que ainda conseguem salvar esse baralho.

Ainda assim, o baralho deixa muito a desejar. Desde a falta de numeração de páginas no livreto até a falta de identificação dos naipes nas cartas, o deck parece ter sido lançado às pressas, sem um cuidado adequado com a experiência do usuário. Em geral, para quem busca um tarot para fins divinatórios ou de autoconhecimento, existem opções mais adequadas e eficientes no mercado.

Rodrigo Grola
designer, tarotista e rpgista

Thiago Feitosa
Doutor em Estatística, tarotista e rpgista