O Livro T, também conhecido como Book T, é um dos principais manuais de estudo da Ordem Hermética da Aurora Dourada, também chamada de Golden Dawn em inglês. Foi escrito pelo membro e fundador da ordem, Samuel Liddell MacGregor Mathers, e publicado originalmente em 1888. É considerado um dos textos mais importantes sobre a utilização do tarot na tradição ocidental e um dos pilares fundadores da própria ordem, que foi responsável pela conexão do tarot com outros diversos elementos de estudos místicos, o que depois ficaria conhecido como Ocultismo Ocidental.
O livro é dividido em duas partes. A primeira descreve o sistema de correspondências simbólicas utilizado pela Golden Dawn para atribuir significados às cartas do tarot. Esse sistema é baseado na Cabala e em outras tradições místicas. É importante observar que existem duas peculiaridades aqui. A primeira é que o livro é voltado para os arcanos menores. Os arcanos maiores já tinham uma estrutura simbólica muito bem consolidada e, embora a ordem tenha estabelecido uma série de conexões cabalísticas e astrológicas a eles, eles se tornam objeto de estudo de outros campos, não tendo detalhamentos longos neste livro. A segunda peculiaridade é sua organização. Ele pode parecer confuso para estudantes de primeira viagem. A série numerada dos arcanos menores não é linear. Em partes, espera-se que a sequência numérica seja respeitada, mas Mathers utiliza as faces planetárias (ou decanatos) como sequência. Ainda assim, espera-se que utilizando esta lógica, o início se estabeleça com a face Marciana de Áries (2 de bastões). No entanto, o sistema astrológico da Golden Dawn iniciava o círculo astrológico em Leão. Isso significa que as cartas que abrem o livro são o 5, 6 e 7 de bastões (respectivamente as faces Saturninas, Jupiterianas e Marcianas de Leão), e em seguida, o 8, 9 e 10 de Moedas. Como já mencionado, pode parecer confuso, mas se você observar a imagem do Lamen a seguir, isto fica bem mais claro.
A segunda parte do livro consiste em um guia prático para a leitura do tarot, contendo instruções detalhadas sobre como embaralhar as cartas, formular perguntas, interpretar os resultados e realizar leituras para outras pessoas. O livro também apresenta uma série de exercícios e práticas para ajudar o estudante a aprimorar suas habilidades de leitura. Durante muitos anos, este manual foi protegido pelo voto de silêncio da ordem, mas hoje em dia é possível encontrá-lo facilmente em formato PDF na internet. Se você possuir uma edição de “A Golden Dawn” de Israel Regardie, encontrará uma tradução completa deste manual nos capítulos próximos ao fim do livro.
Embora o texto tenha citado as questões envolvendo a série numerada no livro, a forma como a corte é abordada pode causar confusão, especialmente na relação entre reis e cavaleiros. Para entender como isso funciona, é necessário ter um conhecimento básico sobre a conexão entre a corte e a Árvore da Vida da Kabbalah. Para este exemplo, usaremos a família real e depois faremos um paralelo de nomes. É dito que os reis representam Chockmah (segunda sephira), as rainhas representam Binah (terceira), os príncipes representam Tipheret (sexta) e as princesas representam Malkuth (décima). Até este ponto, tudo bem. No entanto, o problema surge em relação aos títulos utilizados por MacGregor.
Na primeira menção do livro sobre a corte, estão estabelecidos os títulos de Rei, Rainha, Príncipe e Princesa, enquanto na próxima página a ordem é alterada para Cavaleiro, Rainha, Rei e Princesa. Isso pode parecer uma questão trivial de nomenclatura, mas se o estudante não estiver atento e não perceber que, a partir desse ponto, o autor coloca o Rei no lugar dos Príncipes, todas as conexões astrológicas podem ser estabelecidas de forma incorreta. A partir deste ponto, MacGregor coloca os Reis em Tipheret e os Cavaleiros em Chockmah. Isso é pouco importante quando se utiliza um baralho que não tem conexões astrológicas ou cabalísticas, mas vamos tomar como exemplo o baralho Heaven and Earth da LoScarabeo (2021).
Tome-se como exemplo a carta do Rei de Espadas:
Observe que, ao utilizar um Lamen moderno ou outros baralhos de tradições mais recentes, você vai verificar que quem está na posição de Capricórnio-Aquário-Aquário é o Cavaleiro, ao contrário do que acontece com o Book T, que estabelece a família real e coloca os Reis como “os príncipes e imperadores dos seus elementos”, enquanto nos cavaleiros, “são os reis de seus elementos”.
Embora isso possa não ser relevante para baralhos que não possuem informações detalhadas, como o H&E, em outros casos pode ser importante. A grande confusão surge ao utilizar o Rider-Waite-Smith, lembrando que tanto Edward Waite quanto Pamela Colman Smith eram membros da Golden Dawn, mas não há referência substancial que confirme isso. Enquanto o Book T representa os Reis sentados em carruagens, o RWS sempre os coloca em seus respectivos tronos, criando uma forte conexão com as rainhas e, portanto, é mais comum que sejam utilizados em Chockmah.
No Thoth Tarot de Aleister Crowley, foi utilizada uma estratégia brilhante para contornar esse problema. É importante lembrar que o Thoth Tarot é essencialmente “retirado” do Book T, com as imagens maravilhosamente ilustradas por Lady Frieda Harris, mas os conceitos nunca foram de autoria de Crowley. Algumas abordagens para os arcanos e simbologias nos maiores são ideias dele, mas as bases são da Golden Dawn. A solução encontrada por Crowley é simples: em Chockmah, temos os Cavaleiros, e em Tipheret, eles são Príncipes, criando uma conexão direta entre o Cavaleiro e o Rei para o leitor das cartas.
A tabela a seguir mostra a comparação das cortes:
Existem quatro baralhos disponíveis hoje no mercado que seguem a estrutura clássica do Book T: The Golden Dawn Tarot (USGames – Robert Wang e Israel Regardie), Golden Dawn Magical Tarot (Llewellyn – Chic e Tabatha Cicero – atuais líderes da ordem), The Hermetic Tarot (USGames – Godfrey Downson) e Heaven and Earth (Lo Scarabeo – Jack Sephirot).
É importante ter em mente que o Book T é considerado um texto fundamental para o estudo da tradição hermética em geral. É amplamente lido por estudantes de ocultismo e misticismo, e a Golden Dawn teve um grande impacto sobre o desenvolvimento da magia ocidental moderna. A maioria dos seus conceitos e práticas foram utilizados e adaptados por dezenas de ordens existentes até os dias de hoje.